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Apesar das condenações de líderes como Mladić e Karadžić, a justiça chegou tarde e a negação do genocídio continua viva, especialmente na República Srpska, onde as autoridades persistem em reescrever a história. A maioria dos sobreviventes vive sem apoio estatal, e a memória do massacre é disputada num país ainda profundamente dividido. Enquanto a ONU consagrou o 11 de julho como Dia Internacional de Comemoração do Genocídio de Srebrenica, países como a Hungria recusaram-se a reconhecê-lo. Para muitos, três décadas depois, o silêncio de Srebrenica continua a gritar por dignidade, verdade e memória.
"Enterrar um osso. Não consigo descrever a dor." A frase, ao jornal Swissinfo, de Mirzeta Karic que este ano sepultou o maxilar inferior do pai morto no massacre de Srebrenica, é um dos retratos mais duros da memória que insiste em permanecer viva — e incompleta — 30 anos depois.
A 11 de julho de 1995, forças sérvias da Bósnia invadiram a “zona segura” de Srebrenica, protegida pela ONU. Mais de 8.000 homens e rapazes bósnios muçulmanos foram executados. Muitos tentaram fugir pelas montanhas, mas poucos escaparam. Os corpos foram lançados em valas comuns e, posteriormente, reenterrados para ocultar os crimes.
Desde então, quase 7.000 vítimas foram identificadas com recurso a testes de ADN. Outras permanecem desaparecidas, mais de mil. Para as famílias, o tempo não cura: apenas acentua a ausência.
Justiça tardia, dignidade ausente
"A paz sem dignidade não é paz", diz Emir Suljagić, diretor do Centro Memorial de Srebrenica. Apesar de condenações históricas como as de Ratko Mladić e Radovan Karadžić, muitos sobreviventes sentem que a justiça chegou tarde — e apenas em papel.
As feridas abertas por Srebrenica não são apenas emocionais. A maioria dos sobreviventes vive à margem da sociedade, sem apoio estatal ou reconhecimento formal. Apenas mulheres sem parentes masculinos sobreviventes recebem assistência pública.
E, enquanto a Bósnia-Herzegovina tenta reconstruir a sua história, uma outra batalha desenha-se no presente: a negação sistemática do genocídio por líderes da entidade sérvia da Bósnia, a República Srpska, e por aliados internacionais como a Hungria, que em 2024 votou contra a resolução da ONU que estabeleceu o Dia Internacional de Comemoração do Genocídio de Srebrenica (11 de julho).
“Nunca mais”, dito vezes demais
“Recebemos palavras, resoluções, promessas solenes de ‘nunca mais’”, lamenta uma sobrevivente. “Mas 30 anos depois, continuamos a perguntar o que isso significa.”
Na prática, as famílias continuam a enterrar restos mortais. Às vezes, um osso. Às vezes, um relógio, uma sandália — tudo o que restou daquilo que foram pais, filhos, irmãos.
Todos os anos, a 11 de julho, Srebrenica para. Não com barulho, mas com insistência. Este ano, sete novas sepulturas foram abertas. O silêncio grita.
Memória em disputa
Num país ainda dividido entre a Federação da Bósnia e Herzegovina e a República Srpska, o genocídio é tema fraturante. A peça “Flores de Srebrenica”, estreada este mês em Sarajevo, retrata não só o horror de 1995, mas a dor prolongada pela negação, o esquecimento institucional e a manipulação histórica.
Enquanto o público se levanta a aplaudir, do outro lado da linha étnica, a peça é ignorada ou censurada. O presidente da República Srpska, Milorad Dodik, figura central no discurso negacionista, aparece em 42 das 305 menções públicas de negação ou minimização do genocídio registadas em 2024, segundo o Centro Memorial.
E a Europa?
Três décadas depois, Srebrenica continua a ser o único genocídio reconhecido pela ONU na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Ainda assim, não tem lugar fixo na cultura europeia da memória. O Dia Europeu em Memória das Vítimas dos Regimes Totalitários e Autoritários, a 23 de agosto, nunca fez menção ao massacre.
Em 2022, apenas o governo dos Países Baixos pediu desculpa formal pela inação da comunidade internacional. Mas os arquivos e as entrelinhas da história sugerem que muito era já conhecido — e tacitamente aceite — no verão de 1995, como parte do preço para um acordo de paz.
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