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Em entrevista ao 7MARGENS e ao programa Vidas Com História, da TSF, o investigador de origem egípcia, que vive desde 1976 em Portugal, acrescenta: “O Oriente, que era multirreligioso – com momentos mais difíceis de convivência, é claro –, deixou de poder ser pacífico, pela maneira como os israelitas, ajudados pelos americanos e pelos europeus, tentam impor-se na região. E é pena para o próprio judaísmo, que, como disse, teve momentos áureos no quadro da civilização árabe-muçulmana e agora é só o inimigo que nos está a matar.”
Nascido no Cairo em 1941, Adel Sidarus nasceu no seio de uma família cristã copta católica. Depois de estudar numa escola jesuíta na capital egípcia, Sidarus esteve no Líbano, Alemanha e Roma, aprofundando as áreas dos estudos árabes, islâmicos e coptas. Na Alemanha, conheceu a futura mulher, Alice Caldeira Cabral, com quem viria a casar e que seria uma das razões para vir leccionar para Portugal – o próprio conta a história durante a entrevista. Professor jubilado da Universidade de Évora, foi investigador convidado no Instituto de Investigação Científica Tropical (Lisboa, 1999 a 2007), membro do Instituto de Estudos Orientais da Universidade Católica Portuguesa desde a sua criação em 2002, e da Academia Ambrosiana de Milão, desde 2014. Estudou ainda Filosofia e Estudos Cristãos e Orientais em várias universidades árabes e europeias, sendo doutorado em Estudos Orientais pela Universidade de Munique, em 1973.
Em Portugal, além da investigação e dos numerosos estudos que publicou, Adel Sidarus organizou também várias iniciativas académicas e teológicas sobre o cristianismo moçárabe da Península Ibérica e sobre estudos árabes. Há poucos anos, publicou na Universidade Católica Editora, o livro Vivências Cristãs em Contexto Islâmico. “Há uma certa ignorância do passado árabe de Portugal”, diz ainda na entrevista.
Fabrizio Boscaglia (da Universidade Lusófona) e Juan Acevedo (da Universidade de Lisboa), organizadores do colóquio de homenagem desta segunda-feira, destacam a “figura incontornável dos estudos árabes em Portugal nas últimas décadas” e o “académico de referência no que respeita à língua árabe, ao al-Andalus, aos manuscritos árabes e ao diálogo intercultural e inter-religioso (nomeadamente islamo-cristão)” como razões para a iniciativa, que se inicia às 16h na Biblioteca Nacional,
O colóquio contará com intervenções de Fabrizio Boscaglia, Juan Acevedo, Paulo Mendes Pinto, Yasir Aboobakr, Jessica Hallett, Diana Pereira. Às 18h45 está prevista a conferência de encerramento, por Henrique Leitão, da Universidade de Lisboa e da Academia das Ciências de Lisboa. Entre os temas a abordar estarão o papel de Sidarus na investigação sobre os manuscritos árabes em Portugal, a caligrafia árabe e a devoção no islão, a investigação de uma colecção de arte (do Museu Gulbenkian) a partir da palavra, e os estudos luso-árabes à luz da obra de Adel Sidarus. Uma forma de “dar conta do impacto que Adel Sidarus tem tido na cultura portuguesa, por vezes de forma menos visível, mas sustentada por décadas de trabalho minucioso, persistente e generoso”.
7MARGENS – Professor Adel Sidarus, porque é que um cristão copta, nascido no Cairo, decide em 1976, com 34 anos, vir viver para Portugal e aqui fazer carreira académica? Foram ainda as ondas revolucionárias de então que o trouxeram até cá?
ADEL SIDARUS – Sim, incontestavelmente fiquei sensibilizado com isso, à parte o facto de estar casado com uma portuguesa. Na Universidade de Évora, renovada e refundada, o reitor, que era colega do meu sogro, disse-lhe: “Se a tua filha está casada com um investigador árabe, ele tem de vir para investigar a presença árabe em Portugal.”
7M – Mas já tinha tido um convite em 1973, convite que recusou.
Sim, porque eram outras circunstâncias. Em primeiro lugar, era ainda antes da Revolução de 25 de Abril, por isso era um convite que não me entusiasmava, nunca podia pensar vir para Portugal antes do 25 de Abril.
7M – E o que é isso de ser cristão copta?
“Copta” tem a mesma origem que “egípcio”. Em grego, é aigyptíos, o centro da palavra, gupt (o y lê-se u), deu copta. Copta quer dizer egípcio e os árabes que conquistaram o Egipto denominavam a população autóctone como coptas. Quem se islamizou, é claro, já [não ligava a] este nome e copta [passou a designar] os cristãos locais.
7M – Neste dia 30 de Junho, será homenageado na Biblioteca Nacional por ser uma figura incontornável dos estudos árabes em Portugal. Portugal esconde demasiado a sua herança árabe e islâmica?
Escondia, mas [já] não esconde. Eu fui muito bem acolhido por portugueses ao saberem que eu era árabe e que vim para ensinar a língua, a cultura árabe e o passado luso-árabe, que era muito importante para o nascimento de Portugal. Uma vez, em Sintra, um taxista, quando soube que eu era copta, disse: “ah, mas nós somos também árabes…” O povo português sentia sangue árabe na sua vida, na sua origem e com afecto.
7M – Mas por outro lado, como encara o aumento do racismo, da xenofobia e da intolerância contra o estrangeiro – de modo especial os árabes, os muçulmanos e os africanos?
Nós temos acompanhado uma família síria que veio para cá e que se sente bem acolhida pelas populações. Mas andámos com a Duaa à procura de trabalho e as pessoas diziam: “Tem um lenço, é muçulmana, não entra no restaurante.” Este discurso multiplicou-se e há sentimentos [de intolerância] para com os estrangeiros em geral e com o árabe também. E também há uma certa ignorância do passado árabe de Portugal, não é um assunto de que se fale. Fala-se um bocadinho nas universidades, não se ensina o árabe a não ser excepcionalmente, em Coimbra, em Lisboa, em Évora…
7M – O Papa Francisco dizia que o Mediterrâneo se tornou um cemitério e que deveria recuperar a sua vocação de lugar de encontro entre povos e culturas. Como é que se sente a cultura do Mediterrâneo? Ela é mesmo especial?
Incontestavelmente. O próprio nome Mediterrâneo indica um intermediário. Do nível geográfico projectou-se para a cultura e o sentimento dos povos à volta do Mediterrâneo, desde a ponta da Península Ibérica, passando pelo sul da França, pela Itália, pela Grécia, todo o Médio Oriente, o Norte de África. Esta é a realidade…
7M – Para a qual o Papa Francisco chamou a atenção…
Sim. Foi muito importante esta chamada de atenção do Papa. De facto, as condições de desenvolvimento sócioeconómico é que são muito diferentes. No Mediterrâneo do Sul, há uma superpopulação empobrecida com grandes carências, que tem ecos da riqueza do Norte do Mediterrâneo. Dadas as circunstâncias difíceis nos seus países, querem chegar aos países europeus… Por isso há todos os naufrágios que têm marcado o Mediterrâneo como uma fronteira.
As condições de desenvolvimento sócio-económico é que são muito diferentes. No Mediterrâneo do Sul, há uma superpopulação empobrecida e que necessita e que tem ecos da riqueza do Norte do Mediterrâneo. Dadas as circunstâncias difíceis nos seus países, querem chegar aos países europeus… Por isso há todos os naufrágios que têm marcado o Mediterrâneo como uma fronteira.
7M – O Adel Sidarus nasceu no Cairo em 1941. O mundo vivia nessa altura os efeitos da Segunda Guerra Mundial. O que é que recorda da sua infância e juventude no Cairo?
Uma recordação muito feliz. Não existia nenhum mal-estar na população. Os egípcios não intervieram directamente na guerra. Havia uma parte das forças armadas egípcias [incorporadas pelo] domínio inglês. A minha é uma memória muito pacata, não nos tocou. A época colonial [favorecia] os cristãos e eles souberam aproveitar para estudar, para se formar.
7M – Quem eram os seus pais e o que faziam eles?
O meu pai era um comerciante, tinha uma loja de roupa num bairro popular do Cairo, se bem que nós vivíamos em Heliópolis, que era uma cidade [próxima] modernizada, ocidentalizada, aberta, muito dinâmica. A minha mãe era como as mulheres no Médio Oriente, mesmo as cristãs: estava em casa, foi mãe de sete filhos. A nossa irmã mais velha morreu com dez anos.
A minha mãe tinha uma grande família, que infelizmente, nos anos 60, emigrou para a Europa e a América. O Egipto empobreceu-se sob este aspecto – sobretudo os católicos, aqueles que estudaram nas escolas católicas, que, através do seu conhecimento da língua francesa ou inglesa, [saíram do país]. [A colonização dos] franceses teve uma importância muito grande nesse desenraizamento de uma parte da juventude.
7M – Entretanto, na sua formação encontrou também os jesuítas.
Ah, isso devo dizer que foi muito importante. Fui educado no colégio dos jesuítas desde o jardim de infância. Eu, o meu irmão, primos, fizemos toda a nossa formação nos jesuítas no Egito.
Chegámos a entrar na Companhia de Jesus depois dos estudos secundários. Naquela altura, [os jesuítas] tinham uma presença dinâmica e começavam a abrir-se às populações autóctones do Médio Oriente. Estudámos também no Líbano, onde a presença deles era muito relevante. Eu, além da França, estudei em Espanha, na Inglaterra, na Alemanha, depois de ter saído dos jesuítas.
Um grande orientalista alemão, Georg Graf, estudara a fundo a literatura copta e copto-árabe. Percebi que havia um grande conhecimento da história medieval copta e copto-árabe e por isso fui estudar na Alemanha para aprofundar e eu próprio fazer a minha investigação.
7M – O que o levou a interessar-se por mundos e alfabetos tão diferentes quanto o arabismo, o islão, o cristianismo e Portugal?
Foi uma coisa natural: como dizia, no Egipto do meu tempo havia esta multiculturalidade em termos tanto linguísticos como culturais. Como eu estava numa família favorecida e educada, tanto da parte das mulheres como da parte dos homens, por congregações religiosas ocidentais, sobretudo francesas, havia uma grande abertura ao mundo em geral. Senti que o conhecimento que nos deram permitia também conhecer a nossa própria história, a nossa própria identidade.
No colégio dos jesuítas também havia muçulmanos e judeus. Eram alunos como os outros, de uma certa classe, mas sempre vivemos um contexto multi-religioso, no colégio dos jesuítas.
7M – Qual foi a surpresa maior que teve quando começou a contactar a língua de Camões e a cultura portuguesa?
Eu fui preparado pela minha mulher [Alice], que encontrei na Alemanha a estudar língua alemã durante o Verão. Ao conhecer a família dela, também fui recebido de braços abertos. Entre outras [razões], por ter sido educado nos jesuítas, [havia um] património comum. Sabendo da presença árabe em Portugal, vi aqui um potencial para estudar e aprofundar o conhecimento da história luso-árabe. E assim reconciliei a minha origem egípcia árabe com Portugal e os portugueses.
A surpresa veio também das palavras: azeitona, azeite, açúcar… Porque o artigo tinha sido aglutinado nas palavras portuguesas. O “al” assimila-se com uma série de outros consoantes. Al-roz deu arroz, al-çúcar deu açúcar, alzeite deu azeite… O “al” desaparece numa série de sons que permitem esta assimilação.
7M – Aos 83 anos, que legado já deixou Adel Sidarus no domínio da linguística do português e do árabe?
Ficou uma meia centena de publicações sobre a literatura luso-árabe e nas universidades, tanto em Évora como em Lisboa, onde ensinava o árabe e a cultura e a história árabe e luso-árabe. É um património que me permitiu sentir-me bem e servir os portugueses, encontrando as suas raízes antigas que os aproximavam, no mundo moderno, às populações árabe e islâmicas.
7M – Durante a presença muçulmana na Península, os cristãos chamavam-se moçárabes. Quem eram eles?
Moçárabe (musta’rab) quer dizer arabizado. O grande Santo António era um moçárabe, quer dizer, era cristão e sabia falar árabe. Havia um certo convívio entre gente de línguas e religiões diferentes. Só a vaga colonialista posterior a este período de convivência tornou mais difícil a aceitação da alteridade, incluindo religiosa.
7M – Se Santo António era moçárabe, o Adel no século XX e XXI, é também um cristão moçárabe?
Pode-se dizer. A língua natal de Santo António era o português. Conhecia o árabe, e abriu-se aos árabes e à cultura árabe. Eu, sendo cristão, fui formado num ambiente arabizado, mantendo a minha identidade cristã. Eu, a minha família, toda a população copta. Essa é a diferença: estávamos integrados no mundo árabe e vivíamos bem.
7M – A liturgia copta é muito diferente da liturgia latina…
Sim. Há uma liturgia copta, liturgia síria, maronita… e uma liturgia latina, que na origem vinha da Itália, mas expandiu-se para todo o mundo, porque era a língua de Roma e do papado, que [também] era um império, de certa maneira.
A liturgia copta tem uma missa que leva três horas, onde as pessoas entram, saem… Vivemos a nossa liturgia de uma maneira diferente da liturgia latina. É uma questão também cultural. Os católicos coptas, por causa da influência dos católicos romanos, abreviaram um bocadinho a sua liturgia.
7M – Houve um monge copta, o padre Matta el-Maskîne, que o influenciou muito na vertente religiosa. Quem era ele e de que modo o Adel foi influenciado por ele?
Matta el-Maskîne foi uma figura profética no Egipto, tanto junto dos muçulmanos como dos cristãos. Ele só foi monge aos 40 anos. Antes trabalhava nas instâncias governamentais egípcias, como muitos coptas, nomeadamente nas finanças: as finanças do país, durante a Idade Média e os tempos modernos, eram muito geridas pelos coptas com um grande sentido de responsabilidade e de respeito pelo país como tal. Isto é que os ajudou a manterem a sua identidade religiosa e de uma certa maneira cultural servindo naturalmente o país.
O “Abuna Matta” inspirou-me na busca das raízes coptas autóctones e no aprofundamento da tradição copta local que nesta altura estava numa fase de renovação e de atracção de jovens para a vida monástica.
7M – No livro que publicou há poucos anos, Vivências Cristãs em Contexto Islâmico, o Adel cita uma tese de doutoramento recente que compara o monge el-Maskîne, de que estávamos a falar, a São Tomás de Aquino. Não acha que é um exagero fazer essa aproximação?
Porquê um exagero? Matta el-Maskîne era um homem de grande cultura e os seus escritos tocavam tanto ortodoxos como católicos, mas também muçulmanos. Ele era querido pelos próprios muçulmanos, porque as obras dele não eram unilateralmente religiosas, eram obras de dignidade cultural. E, nelas, a cultura do Egipto, muçulmana e copta, confundiam-se. Além disso, ele ajudava as tribos árabes que vinham do Ocidente, do [deserto do] Sara, em termos financeiros, com comida e conhecimentos.
7M – Nesse mesmo livro fala do cristianismo árabe que existia antes do islão. Podemos dizer que também há uma inspiração cristã no nascimento do islão?
Incontestavelmente. Uma coisa que é pouco conhecida é que o Iémen era a parte da Península Arábica mais dinâmica e mais aberta. Grande parte da população iemenita era cristã e ajudou a população local, antes e durante [o aparecimento do islão], a cultivar-se e abrir-se ao mundo e às outras culturas. Podemos dizer que eram, sem o querer, os pedagogos de todos os árabes da Península Arábica, que eram beduínos com pouca cultura. O próprio Profeta Maomé aceitou a influência cristã, ele fala disso no Alcorão.
7M – Já afirmou várias vezes que os cristãos do Médio Oriente tiveram um papel muito importante há cerca de 100 anos. Que papel foi esse?
Há 100 anos era a saída da época colonial. Quem aproveitou da presença colonial ocidental foram os cristãos, por causa da proximidade religiosa. Por eles serem minorias com uma certa dinâmica intercultural, na minha investigação consegui demonstrar como é que entre os coptas, mas também no mundo siríaco (Líbano, Síria, Caldeia), as minorias cristãs eram muito abertas. E eram educadoras, podemos dizer, das populações autóctones, que se tornaram islâmicas por um movimento de massas e não propriamente por escolha pessoalizada.
7M – Mas hoje os cristãos no Médio Oriente estão a desaparecer de forma vertiginosa. Que razões há para isso?
A primeira razão foi o movimento revolucionário que sacudiu o mundo árabe desde o tempo de [Gamal Abdel] Nasser [no Egipto] e dos outros movimentos anticoloniais no Médio Oriente – Síria, Iraque, Líbano… Este efeito foi nocivo para os cristãos autóctones: eles, tendo tido o privilégio de serem educados nas línguas estrangeiras e conhecer o mundo ocidental, aproveitaram o momento para fugirem sobretudo para a Europa e as Américas.
O pan-arabismo, num primeiro momento, foi hostil aos cristãos, de certa maneira, porque era também pan-islamismo, sem o querer. Porque o árabe ficou cristalizado no texto do Alcorão e depois, nos vários países árabes, falam-se dialectos diferentes. Mas a radicalização do islão violento deu-se nas últimas décadas…
7M – E é isso que leva de novo a que estas comunidades cristãs na Terra Santa estejam a sair…
Há uma intolerância de um islão que sofreu o colonialismo. Enquanto os cristãos no tempo colonial eram favorecidos – temos de dizer claramente, éramos nós os favorecidos, enquanto as populações autóctones muçulmanas não o eram – quando o islão se afirma a um nível político internacional, espontaneamente houve este desequilíbrio.
O nasserismo (de Nasser) foi, é claro, um momento muito importante. Os cristãos sentiram-se pouco aceites localmente. Como já tinham conhecimentos e contactos com as línguas europeias, saíram em grande massa. Não houve deportações comandadas pelos muçulmanos, mas quase espontaneamente os cristãos foram saindo…
Com a radicalização e a intolerância que referi, com o Irão, com o salafismo, passamos a outra fase e essas populações são mesmo perseguidas e têm de fugir porque são mortas.
7M – Tendo em conta o que se está a passar em Gaza, na Palestina e no Medio Oriente, que opinião tem sobre a criação e a manutenção do Estado de Israel?
A criação do Estado de Israel foi mesmo uma desgraça para o Médio Oriente, porque [o que se passa] não era imaginável. Olhando para a longa história do islão em todo o Médio Oriente e no Norte de África, que tolerava as outras religiões, incluindo os judeus; ou aqui na Península Ibérica, onde as grandes figuras judaicas eram do tempo do império árabe-muçulmano local – criar um Estado judeu, com judeus idos da Europa, da América, que nem sequer eram necessariamente locais e representando, de certa maneira, um tipo de imperialismo, não podia deixar de ser [um Estado] odiado, sobretudo com a agressividade com a qual ele se instalou.
7M – Como é que encara a situação de Gaza e da Palestina?
Uma grande catástrofe. Uma grande catástrofe. E o mundo ocidental que apoia Israel tem grande culpa por não conseguir, até agora, fazer pressão sobre Israel para reconhecer a Palestina. Gaza é Palestina, parte de Palestina. Esta é uma grande tristeza e não é um augúrio para um Médio Oriente pacífico. Vimos como o Irão entrou para se vingar contra as matanças causadas pelos israelitas.
O Oriente, que era multi-religioso – com momentos mais difíceis de convivência, é claro –, deixou de poder ser pacífico, pela maneira como os israelitas, ajudados pelos americanos e pelos europeus, tentam impor-se na região. E é pena para o próprio judaísmo, que, como disse, teve momentos áureos no quadro da civilização árabe-muçulmana e agora é só o inimigo que nos está a matar.
7M – A música copta é muito expressivamente monódica. Adel Sidarus: ainda vibra com essa herança e com a prática religiosa copta? É um passado que não quis perder?
Sim, enquanto é possível, de uma certa maneira. Aqui em Portugal é difícil, mas como fiz várias estadias no Egipto com a minha mulher Alice, mantive a oportunidade de gozar e aproveitar desta dimensão.
Espiritualmente, a música copta é um um tipo de embalo, que nos dá não só o alimento espiritual que nos identifica no quadro mais genérico de uma cultura diferente, sobretudo muçulmana, mas também que graças a algumas figuras importantes e momentos políticos importantes, se cristalizou com grande pujança. Mesmo aqui na Europa, com as migrações, continua a manter-se como tal e a atrair muito os católicos por causa deste tipo de vivência cristã.
7M – O Adel e a sua esposa tiveram duas filhas e um filho: o Dido era uma pessoa portadora de deficiência, uma pessoa que dava muito afecto e muito de si mesmo aos outros. Entretanto, morreu há 17 anos. Como é que se lida com a morte de um filho, Adel?
Sentindo a sua falta, porque ele era para nós um estímulo muito importante, não só estímulo afectivo, mas um estímulo para aceitar a alteridade, porque ele era, é claro, muito diferente dos outros, mas a afectividade na qual ele vivia tornava-se fácil e admissível, e nós vivemos isto no quadro das comunidades de [pessoas com deficiência] em Évora, criando o movimento Fé e Luz.
O facto de a Alice ser assistente social, pela preparação que tinha, também ajudou a desenvolver um movimento encarnado e rico para a nossa experiência com o nosso filho.
7M – Como encara a homenagem desta segunda-feira?
Devo dizer que foi uma grande surpresa. Quem a promoveu foi um estrangeiro, um italiano instalado em Portugal [Fabrizio Boscaglia], com um dinamismo quase anárquico. Conheceu-me, a mim e às minhas obras e, apesar de ser converso muçulmano, foi sensível a esta realidade do cristianismo oriental e do cristianismo copta, sobre o qual eu trabalhei – tanto na presença árabe-muçulmana em Portugal, como na própria história e cultura copta. Para ele é uma maneira de difundir esta cultura, esta abertura à cultura do outro, nomeadamente do mundo árabe e islâmico.
7M – Para si é, de certo modo, uma vitória, depois de tantos anos a viver em Portugal?
Não posso dizer isso, não. Foi um momento [imprevisto]. Eu já me sentia realizado como copta, como investigador árabe-muçulmano, com sucesso universitário, reconhecimento internacional, meia centena de publicações, e fazendo sempre a ligação entre as realidades luso-muçulmanas, luso-árabes e a identidade copta-cristã.
7M – Se estivesse numa missa copta, como é que saudava quem estivesse ao seu lado?
O nosso grito de identidade, no quadro do grande islão, o nosso grito de afirmação é Christos Anesti, Cristo ressuscitou. E partir disto é que se constrói a irradiação da nossa vida cristã. A maneira de saudar o outro, copta ou não copta, é o grito “Cristo ressuscitou”, Christos Anesti.
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