É verdade que Israel tem muitos inimigos activos, mas não são todos iguais; Hamas, Hezbolah, Síria (a de Bashar al Assad) e Houthis têm sido alimentados pelo Irão, a “república” teocrática que pretende ser o maior poder regional e, de caminho, eliminar o “povo escolhido”.

Os outros países muçulmanos, da Arábia Saudita ao Egipto, passando pela PLO (que governa a Cisjordânia) também veriam com bons olhos a erradicação dos judeus, mas reconhecem que é impossível e estão dispostos a conviver com Israel. Noutros tempos, antes de 7 de Outubro de 2023, havia um movimento internacional para a criação de dois Estados, Israel e Palestina, mas essa solução ideal hoje tornou-se uma completa impossibilidade.

Há duas opiniões sobre o que aconteceu depois do 7 de Outubro. Uma é que o massacre levado a cabo pelo Hamas, como resposta às múltiplas humilhações que o povo da faixa de Gaza tem sofrido ao longo dos anos, desencadeou uma resposta tão violenta do Governo Netanyahu, que ultrapassou todas as leis internacionais e levou ao genocídio dos palestinianos, à invasão do sul do Líbano, à ocupação de uma faixa da Síria e a bombardeamentos indiscriminados por toda a região. A nível oficioso, o dito Governo, eleito democraticamente mas ditatorial na prática, permitiu  a expansão violenta dos colonatos israelitas na Cisjordânia. Os colonos perseguem, matam os palestinos e ocupam-lhes as terras, perante a autorização não expressa das IDF (o acrónimo do exército israelita) e a impotência da PLO.

A outra opinião é que estes acontecimentos se enquadram na História da região. Desde 1948, quando se oficializou a existência do Estado de Israel, a paz sempre foi precária, ocorreram duas guerras declaradas com os países árabes e um contínuo de incidentes violentos. A partir dos primeiros kibutzes, os judeus nunca esconderam que o seu objectivo era a recriação da Israel bíblica, contra a vontade de todos os seus vizinhos. E, como os judeus têm uma influência aberta na política norte americana, desde sempre contaram com o apoio incondicional dos Estados Unidos, que também viam em Israel o único aliado seguro na região.

Os norte-americanos tentaram estabelecer um acordo de paz definitivo entre israelitas e muçulmanos, criando a famosa solução dos “Dois Estados”, Israel e Palestina. Primeiro, Jimmy Carter fez assinar o Acordo de Camp David, em 1979, pelo Primeiro Ministro Menachem Begin e o Presidente do Egipto, Anwar Sadat.

Depois deu-se o Primeiro Acordo de Oslo, em 1993, patrocinado por Bill Clinton e assinado pelo primeiro ministro de Israel, Ytzhak Rabin, e o secretário geral da PLO, Yasser Arafat. Os nacionalistas religiosos de ambas as partes tentaram fazer descarrilar o processo e foi necessário um Segundo Acordo de Oslo, em 1995, assinado por Rabin, Shimon Peres e Arafat.

É interessante, ou melhor, trágico, que os subscritores da solução Dois Estados tenham sido convenientemente eliminados; Rabin foi assassinado por um nacionalista israelita em 1995, Arafat envenenado em 2004, e Anwar Sadat, outro grande defensor da solução, abatido a tiro por militares radicais em 1981.

Por fim, mas não finalmente, temos os Acordos de Abraham, em 2020, mediados por Donald Trump, que tentaram uma proposta mais abrangente, promovendo contactos diplomáticos e comerciais entre Israel, os Emirados Árabes Unidos e Bahrain. 

(Atenção, preciosistas do pormenor: isto é uma narrativa muito simplificada dos milhares de conferências, centenas de conflitos e dezenas de personagens que andaram às voltas neste período. Senão, nunca mais chegávamos ao âmago da questão, o Irão.)

O Irão, ex-Pérsia, era governado pelo Shah Reza Palevi, pró-ocidental na política e nos costumes, gastador de fortunas em festas, como as celebrações dos 2.500 anos do Império Persa, em 1971, com milhares de convidados ilustres do mundo inteiro, nas ruínas de Persépolis. Também era famoso pela polícia política, a SAVAC, obrigando os principais opositores do regime, os fundamentalistas muçulmanos xiitas, a refugiar-se no estrangeiro, como foi o caso do Aiatolá Ruhollah Khomeini, que voltou de Paris quando a revolução de 1978 derrubou o Shah.

Os persas, que são muçulmanos mas não são árabes, viram-se imediatamente mergulhados num regime muito mais radical do que a monarquia de livres costumes. Os países árabes, em geral, não têm nenhumas simpatias com a teocracia iraniana, mas mantiveram os contactos comerciais em nome da estabilidade política da região. Já os países ocidentais, especialmente o Estados Unidos que apoiavam o Shah, passaram a ser o “Grande Demónio”. Logo em 1979 os jovens revolucionários invadiram e ocuparam a embaixada norte-americana durante 444 dias, mostrando que o regime estava-se nas tintas para as leis diplomáticas internacionais e, simultaneamente, tinha ambições regionais hegemónicas. O Iraque, na altura sob a ditadura laica do saudoso Saddam Hussein, invadiu o Irão em 1980, com a desculpa esfarrapada de proteger os curdos em território iraniano - os mesmos curdos que Saddam gazeou várias vezes. A guerra sanguinária prolongou-se por oito anos, em que morreram meio milhão de pessoas e gastou-se um trilião de dólares. No fim, as fronteiras permaneceram iguais. 

Estupidamente, com o falso pretexto de que Saddam possuía armas de destruição maciça, os Estados Unidos derrubaram-no em 2003, eliminando assim a principal, senão única, força de bloqueio às ambições regionais do Irão. Quanto ao Iraque, tornou-se um Estado falhado, até hoje sem um rumo certo. Durante vinte anos, os aiatolás iranianos criaram uma teia de países vassalos e desenvolveram a sua capacidade nuclear - cujo programa, deve dizer-se, tinha começado ainda nos tempos do Shah.

A possibilidade dos fanáticos iranianos fabricarem uma bomba atómica deixou todos os países, árabes e ocidentais, de cabelos em pé - especialmente os israelitas. Para um país com as dimensões de Israel, basta uma única arma nuclear para o arrasar completamente. Em 2016 Barack Obama conseguiu entrar num acordo com o Irão, concedendo-lhe certas facilidades, como o desbloqueio de milhares de milhões de fundos retidos no estrangeiro, a troco de não purificar o urânio a um nível militar. O acordo, oficialmente chamado Plano de Acção Conjunto, foi cancelado por Donald Trump em 2018, de acordo com a vontade expressa do Presidente de desmantelar todos os sucessos do seu antecessor. Desde então têm decorrido negociações para criar um novo acordo - e enquanto se discute como e quando, o Irão têm continuado paulatinamente a purificar o seu urânio em diversas instalações a centenas de metros de profundidade em vários locais.

Se ninguém quer que o Irão adquira a capacidade de produzir uma bomba atómica, quem tem um interesse vital - de sobrevivência, pode dizer-se - é Israel. Porque basta uma bomba para destruir o país e porque o Irão não esconde que a lançará assim que estiver pronta.

É geralmente aceite que qualquer Governo israelita tem como principal objectivo a sobrevivência do país. Benjamin Netanyahu, que em 2022 subiu ao poder com uma coligação de extrema-direita, (tendo governado anteriormente entre 1996-99 e  2009-21) em várias ocasiões deixou claro que há uma linha vermelha que o Irão não pode ultrapassar. E, enquanto as negociações internacionais com os Aiatolás andam para a frente e para trás, os serviços de segurança israelitas têm tomado diversas iniciativas para prejudicar o programa iraniano. O assassinato de um cientista aqui, o bombardeamento de umas instalações ali, a espionagem constante em toda a parte. Graças às famosas habilidades do MOSAD, Israel tem tudo mapeado e conhecido. 

O que aconteceu a 13 de Junho foi um ataque espectacular às instalações nucleares iranianas, simultaneamente com o assassinato de vários cientistas e oficiais envolvidos no programa. Porquê agora?

Pode ser uma ou mais, ou mesmo todas estas razões: primeiro, a purificação do urânio chegou a um nível militar; segundo, o Irão está muito enfraquecido, com o desgaste, ou mesmo derrota, dos Estados ou movimentos que utilizava contra Israel - a queda do regime de Damasco, o enfraquecimento do Hezbolah no Líbano, a fraqueza do Hamas em Gaza, a precariedade dos ataques dos Houtis; terceiro, porque a ameaça do Hamas pode não chegar para que o actual Governo israelita se mantenha no poder e tenha de convocar eleições; quarto, porque a comunidade internacional está farta do genocídio em Gaza, que representa uma péssima atitude de quem se queixa dos muitos genocídios que sofreu.

Sabe-se que, se esta coligação governamental cair, Netanyahu será preso por processos de corrupção já julgados nos tribunais israelitas.

Como os ataques ao Irão e os ataques de resposta, os elementos da situação mudaram. A destruição de Gaza passou para segundo plano. A ameaça à estabilidade na região aumentou exponencialmente. Pode facilmente prever-se uma guerra generalizada na região ou mesmo, para os mais assustadiços, o começo de uma guerra mundial. Passamos da fase de uma etnia tentar eliminar outra, para a fase duma guerra entre dois estados soberanos. E é uma guerra que os mais precavidos já previam há muito tempo. Israel não se conseguiria livrar dos múltiplos inimigos à sua volta enquanto não acabasse que o inimigo principal que os sustenta.

A pergunta que se impõe, evidentemente é, como é que “isto” vai acabar. Qual é o “end game”? Netanyahu fez um apelo público, na rádio e televisão, para que os iranianos se revoltem de acabam com a ditadura teocrática que aturam há tantos anos. E fez o apelo em farsi, a língua persa. Se algum resultado pode vir daí, é exactamente o oposto: os ataques israelitas provocam sofrimento na população, o que reforça os seus instintos nacionalistas e aumenta o ódio ao inimigo.

À falta de um “end game” que faça sentido, a única dúvida agora é se os Estados Unidos irão atacar a central nuclear subterrânea de Naranz. Só eles têm as bombas e os aviões capazes de a penetrar, e mesmo assim não é certo. A decisão compete a Donald Trump. “Talvez seja a favor, talvez contra. Vou decidir dentro de duas semanas”, disse ele. Ou seja, não faz a mínima ideia da decisão que vai tomar. Não se lhe conhecem assessores competentes para o ajudar. Talvez as suas dúvidas sejam sofre que efeito terá nas televisões.

É assustador depender de um homem como ele.