
Há décadas que Tyler Perry realiza filmes que contam histórias da comunidade negra, afirmando a sua presença na indústria cinematográfica. Mas parece que o artista nunca consegue, nem faz por fugir, à tentação de “usar” a mulher negra como alvo de histórias trágicas.
O realizador é um dos maiores nomes de Hollywood. Com uma net worth superior a 1,4 mil milhões de dólares, Tyler Perry já realizou mais de 40 filmes, e criou o que é agora um dos maiores estúdios de produção cinematográfica dos Estados Unidos da América, os Tyler Perry Studios.
Ao longo dos anos, Perry tem construído o seu legado a contar histórias com as quais a comunidade negra se identifica. Mas, enquanto trazia visibilidade à comunidade, também foi denegrindo a imagem da mulher negra, contribuindo para os estereótipos que lhe são impostos. Com uma contínua representação da sua miséria, o realizador tem mantido uma narrativa que a exclui dos espaços, considerando que ela só “merece” amor depois de passar por acontecimentos extremamente traumáticos.
Diary of a Mad Black Woman (2005), Why Did I Get Married? (2007), A Fall from Grace (2020) e Duplicty (2025), são alguns dos muitos projetos do realizador que evidenciam esta narrativa. E Straw (2025) não é muito diferente. A história acompanha uma mãe solteira, Janiyah Wiltkinson (interpretada por Taraji P. Henson), a navegar por inúmeros obstáculos da vida, enquanto tenta cuidar da sua filha doente. No limite, depois de ser despejada da sua casa, Janiyah decide roubar um banco para conseguir o dinheiro que precisa para o tratamento e os medicamentos da sua filha, uma decisão que vai mudar completamente a sua vida.
Apesar deste ser um dos melhores do realizador, o que se destaca no filme são as performances das mulheres. Taraji P. Henson (Janiyah Wiltkinson), Teyana Taylor (Detective Kay Raymond) e Sherri Shepherd (Nicole) abraçam os seus papéis, entregam performances que valem a pena ver e têm provocado melhores reações do público para Straw (2025) do que muitos dos seus últimos projetos, como vimos com Duplicity (2025), que também estreou este ano e tem uma avaliação de 4,6/10 no IMDb.
Na verdade, tudo o que o público pede é mudança. Traçar um caminho na indústria com as histórias da comunidade negra e, ao mesmo tempo, desrespeitar (dentro e fora do ecrã) a mulher negra, o pilar da comunidade, faz emergir uma cumplicidade com os estereótipos que a comunidade tem tentado desconstruir ao longo dos tempos. Tyler Perry parece que não se consegue afastar da imagem que ele próprio tem da mulher negra.
Enquanto Perry não estiver aberto à introdução de outros guionistas nos seus projetos, uma vez que é ele o único escritor da maioria dos seus filmes, não podemos esperar que o rumo das suas produções se altere. Ainda assim, e, apesar de seguir sempre a mesma fórmula, todos os seus projetos continuam e continuarão a chegar a imenso público. Tendo apenas estreado dia 6 de junho, Straw já conta com quase 49 milhões de visualizações, a nível global, e ocupa o primeiro lugar do top 10 da Netflix há duas semanas.
Se quiserem explorar o mundo do cinema que honra a comunidade negra podem começar com realizadoras e realizadores como Nia DaCosta, de Candyman (2021); Ryan Coogler, de Fruitvale Station (2013); Ava Marie DuVernay, de Selma (2014); Spike Lee, de Do the Right Thing (1989); Barry Jenkins, de Moonlight (2016), Gina Prince-Bythewood, de Love & Basketball (2000); e Mati Diop, de Dahomey (2024).
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