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O caso de um piloto de longo curso britânico, que testemunhou um episódio de spoofing de GPS (um fenómeno que pode comprometer os sistemas de navegação dos aviões) sobre Israel, ilustra bem o grau de vulnerabilidade dos sistemas atuais.

Durante o voo, os instrumentos indicaram uma altitude falsa de apenas 1.500 pés, apesar de a aeronave estar a voar a 38.000. Alarmes dispararam, e o sistema de prevenção de colisões ativou-se, avisando da proximidade de terreno montanhoso. No entanto, a tripulação, treinada para identificar este tipo de anomalias, manteve o rumo.

O episódio, analisado pelo The Guardian, destaca como estas falhas podem levar os pilotos a questionar os próprios instrumentos em que sempre confiaram. “É desconfortável não agir quando todos os sistemas te dizem para reagir”, confessou o piloto ao jornal britânico, sob anonimato.

Estes incidentes estão longe de ser isolados. Segundo a organização Ops Group, houve um aumento de 500% nos casos de spoofing em 2024, com cerca de 1.500 voos afetados por dia. As zonas mais críticas situam-se no Mediterrâneo oriental, Mar Negro, fronteira entre a Índia e o Paquistão, bem como nos céus sobre Israel, Líbano e partes da Rússia. Este tipo de interferência, muitas vezes usado como contramedida militar para confundir drones e mísseis, está agora a afetar rotas civis.

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O impacto não é apenas técnico. Como explica Mike Thrower, ex-piloto da British Airways e representante sindical da BALPA, o risco reside na “normalização da disfunção”. Com tantos alertas falsos, os pilotos habituam-se a ignorar sinais críticos. “Quando começas a pensar ‘isto provavelmente é só mais um falso alarme’, estás a permitir uma erosão do padrão de segurança operacional”, alerta.

As consequências práticas destas novas ameaças também são palpáveis em termos de tempo de voo, custos e impacto ambiental. Com o encerramento do espaço aéreo russo à maioria das companhias ocidentais, as rotas entre Europa e Ásia tornaram-se significativamente mais longas. Voos entre Helsínquia e Tóquio, por exemplo, demoram agora mais três horas e meia do que antes da guerra na Ucrânia. A investigadora Viktoriia Ivannikova, da Dublin City University, estima que isso tenha aumentado os custos entre 19% e 39%, e as emissões de CO₂ até 40%.

O Médio Oriente, alternativa usada por muitas companhias para evitar o espaço aéreo russo, tornou-se igualmente perigoso. Conflitos como o confronto recente entre Israel e o Irão obrigaram à suspensão ou desvio de centenas de voos. A Air India cancelou operações para a Europa e América do Norte, e a australiana Qantas teve de alterar rotas a meio do voo. A interdependência global faz com que um ataque numa base no Qatar tenha efeitos imediatos em aeroportos tão distantes quanto Londres, Nova Deli ou Sydney.

Pode acontecer também que os riscos não surjam de conflitos declarados. Em fevereiro de 2025, a China conduziu exercícios navais com fogo real no Mar da Tasmânia, apanhando de surpresa voos entre Austrália e Nova Zelândia. Um Virgin Australia, ao captar sinais de aviso num canal normalmente ignorado, alertou os serviços de controlo aéreo. Casos como este mostram como a fronteira entre operações militares e civis se torna cada vez mais ténue.

Apesar de tudo, os especialistas sublinham que voar continua a ser seguro. A formação rigorosa dos pilotos e os sistemas redundantes garantem que mesmo em cenários de spoofing ou conflito, a maioria dos voos decorra sem incidentes para os passageiros. No entanto, a crescente complexidade e a acumulação de novas ameaças exigem uma vigilância constante.

“Voar é tão seguro como há quatro anos”, conclui o piloto, “mas há hoje um novo peso mental, uma nova lista de procedimentos e precauções que não existia antes.”