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Esta é uma das preocupações registadas no relatório divulgado hoje pela Comissão Europeia contra o Racismo e Intolerância (ECRI), depois de um trabalho de monitorização da situação do racismo e da intolerância em Portugal.

Os investigadores dizem estar preocupados com “o aumento do discurso de ódio online” e com um discurso inflamatório e que divide as pessoas que é utilizado por alguns políticos.

“Embora não existam dados oficiais e desagregados sobre incidentes de discurso de ódio em Portugal, vários relatórios credíveis de organizações da sociedade civil e outras instituições independentes apontam para um aumento acentuado do discurso de ódio no país, que parece visar predominantemente migrantes, ciganos, LGBTI e pessoas negras”, refere a ECRI, que tem divulgado a cada cinco anos um relatório sobre o que se passa em Portugal.

No documento, os peritos dizem ter falado com interlocutores em Portugal que referiram haver uma espécie de “`banalização´ do discurso de ódio, muitas vezes sob o pretexto da liberdade de expressão”.

A ECRI também diz estar preocupada com o aumento da xenofobia e do discurso de ódio contra os migrantes, que continua a ser mais dirigido aos não europeus.

“O discurso anti-migrante é predominante nas discussões políticas, nomeadamente através da disseminação de desinformação que associa os migrantes à criminalidade ou a um fardo para o sistema de segurança social português”, afirmam os especialistas.

Mas voltam a sublinhar que “as narrativas políticas negativas e hostis” em torno do tema da migração assim como os comentários xenófobos, em particular por parte de políticos, “estão em contradição com a contribuição significativa dos migrantes para a sociedade portuguesa”.

Neste que é o sexto relatório da ECRI, os peritos olham para o que foi feito nos últimos anos e reconhecem que houve melhorias em várias áreas, como a aprovação, em 2021, do primeiro Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação (PNCRD), que inclui ações para combater precisamente o discurso de ódio e os crimes de ódio.

Também o Código Penal foi alterado no ano passado para reforçar o crime de incitamento à discriminação, ódio e violência, uma mudança aplaudida pelos peritos independentes.

No entanto, dizem, continuam a existir relatos de violência motivada pelo ódio, por vezes envolvendo grupos neonazis num país onde as “lacunas significativas” na legislação e na ação das entidades policiais e judiciais fazem com que muitas queixas não tenham quaisquer consequência para os agressores.

O relatório refere também que continua a haver relatos de abuso racista, que incluem discriminação racial por parte da própria polícia.

Perante este cenário, os peritos recomendam às autoridades portuguesas a implementação de medidas que melhorem as relações e a confiança entre a polícia e os grupos que preocupam a ECRI, incluindo migrantes, negros, LGBTI e ciganos.

O relatório analisa também a situação dos emigrantes irregulares, lembrando que devem pagar pelos cuidados, exceto quando se trate de situações de urgência médica, riscos para saúde pública, saúde materno-infantil, saúde reprodutiva, vacinação e situações de exclusão social ou grave carência económica comprovada pela Segurança Social.

No entanto, os peritos ouviram “diversos relatos sobre dificuldades práticas no acesso à saúde”, como funcionários que negaram indevidamente o atendimento ou histórias de xenofobia.

A ECRI pede por isso melhor formação dos profissionais sobre os direitos dos migrantes irregulares e avaliações regulares para identificar e prevenir comportamentos xenófobos no setor.

Polícias portuguesas precisam de mais formação para lidar com crimes de ódio

Mais formação para as polícias tratarem dos incidentes e crimes de ódio e “habitações dignas e seguras” para os ciganos são as duas recomendações prioritárias feitas às autoridades portuguesas pela Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância.

Cinco anos após o último relatório, a Comissão Europeia contra o Racismo e Intolerância (ECRI), órgão do Conselho da Europa, volta a divulgar hoje os resultados do trabalho de um grupo de peritos independentes que analisou o racismo, a discriminação, a xenofobia, o antissemitismo e a intolerância em Portugal.

Os investigadores concluem que a situação melhorou em vários domínios, mas ainda há questões que lhes suscitam preocupação e, por isso, fazem hoje 15 recomendações às autoridades portuguesas.

Desta lista, a ECRI escolheu dois problemas prioritários e apresenta propostas de melhoria: Um diz respeito à forma como as autoridades policiais e judiciais lidam com casos de ódio e o outro foca-se na situação dos ciganos.

O relatório lembra que em Portugal existem casos de violência motivada pelo ódio, que por vezes envolvem grupos neonazis. No entanto, os peritos acusam as polícias de, muitas vezes, não registarem as queixas e de serem poucos os casos que avançam para julgamento.

Dos poucos processos que chegam à justiça, são ainda menos os que resultam em decisões judiciais, concluem os peritos, que recomendam a aplicação de medidas que melhorem as relações e a confiança entre a polícia e alguns grupos como é o caso dos migrantes, negros, LGBTI ou os ciganos.

A ECRI pede por isso às autoridades portuguesas a criação de protocolos e procedimentos operacionais padrão para “ajudar as autoridades policiais a processar eficazmente incidentes e crimes de ódio”.

Além destes instrumentos, os peritos recomendam também que os agentes da policia e os profissionais de justiça criminal frequentem programas de formação específicos para lidar com estas matérias.

Esta é uma das duas principais recomendações do estudo hoje divulgado que olha também com especial atenção para os ciganos.

“As pessoas ciganas, que na sua maioria são cidadãs portuguesas, permanecem como um dos grupos mais marginalizados do país”, lê-se no estudo, que critica a existência de apenas alguns projetos pontuais para este grupo, com “financiamento limitado e abrangência reduzida”.

Um dos maiores problemas dos ciganos continua a ser as condições degradantes em que habitam. Os peritos contam que os ciganos “vivem em bairros segregados, zonas degradadas ou em barracas, muitas vezes sem água potável, eletricidade ou saneamento”.

Além disso, nos últimos cinco anos, “pouco ou nenhum progresso foi feito” e por isso a ECRI recomenda “medidas rápidas e resolutas para garantir condições de habitação dignas e seguras aos ciganos que vivem em assentamentos precários, incluindo bairros de lata”.

Os peritos prometem que no prazo máximo de dois anos irão realizar um processo de acompanhamento provisório destas duas recomendações.

Mas o órgão do Conselho da Europa também reconhece que existem “iniciativas de sucesso”, como o programa ROMA Educa, criado para reduzir os casos de abandono precoce e insucesso.

No entanto, os desafios entre os alunos ciganos persistem, “especialmente na transição para o ensino secundário e no combate ao abandono escolar precoce”.

Desde o último relatório, em 2018, Portugal registou progressos em várias áreas, como a criação da nova Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR).

Também sobre a comunidade LGBTI, os investigadores consideram que Portugal “alcançou progressos significativos”, apontando como melhorias a criação de um plano de ação específico, o reconhecimento do direito à autodeterminação da identidade de género e a criminalização das chamadas “terapias de conversão”.

A adoção, em 2021, do primeiro Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação de Portugal também é saudado no estudo, que salienta as ações para combater o discurso de ódio e os crimes de ódio.

Conselho da Europa quer racismo e discriminação LGBTI no currículo dos alunos

A Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) alertou hoje para o 'bullying' nas escolas portuguesas, defendendo a obrigatoriedade de os currículos abordarem o combate ao racismo e à “discriminação de pessoas negras, ciganas e LGBTI”.

Nos últimos anos houve uma melhoria no combate ao racismo e à intolerância, mas ainda existem situações que precisam ser melhoradas, defendem os peritos da ECRI, órgão do Conselho da Europa, no seu sexto relatório sobre Portugal, que é hoje divulgado.

Os investigadores consideram preocupantes os casos de 'bullying' que têm como alvo os alunos migrantes, negros, ciganos e LGBTI, tendo ouvido relatos e detetado lacunas e discrepâncias em relação ao que deveria ser uma educação inclusiva.

Na disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, por exemplo, “há discrepâncias importantes entre escolas” no que toca ao tempo dedicado à disciplina e os conteúdos abordados.

Se nos anos iniciais, os temas são integrados no currículo geral, nos níveis superiores, a disciplina passa a ser autónoma e como as escolas têm autonomia sobre as matérias, algumas acabam por “não abordar temas como o racismo e a intolerância contra pessoas negras, LGBTI ou ciganas”, referem os peritos independentes.

A ECRI recomenda por isso às autoridades portuguesas que a educação em direitos humanos passe a ser uma “parte obrigatória do currículo, com conteúdos mínimos obrigatórios em todas as escolas, incluindo combate ao racismo, à intolerância e à discriminação de pessoas negras, ciganas e LGBTI”.

Os peritos pedem também formação inicial e contínua de professores e que seja incentivada a formação obrigatória dos docentes sobre igualdade e não discriminação, em especial os que lecionam a disciplina de “Cidadania”.

No relatório hoje divulgado, o órgão consultivo do Conselho da Europa reconhece haver boas medidas já implementadas, como a Rede de Escolas para a Educação Intercultural ou projetos da sociedade civil como o “Educação LGBTI” da Rede Ex Aequo, e formações antirracistas do Grupo Educar.

Sobre estes projetos, “a ECRI recomenda maior apoio”, até porque há um “aumento dos casos de 'bullying', particularmente contra estudantes migrantes, negros, ciganos e LGBTI”.

Segundo uma pesquisa realizada pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 71% dos inquiridos LGBTIQ foram alvo de insultos, ameaças ou humilhações.

A ECRI recomenda que as autoridades reforcem as ações de prevenção e combate ao bullying racista e LGBTI-fóbico, através de formação de professores, melhoramento do sistema de monitorização de incidentes com dados desagregados e de políticas específicas de prevenção dirigidas a alunos mais vulneráveis.

Os peritos independentes saúdam, por outro lado, a publicação de duas orientações práticas - o “Guia para Prevenir e Combater a Discriminação Racial na Escola” e o “Guia sobre o Direito de Ser Se Mesmo na Escola” (desenhado a pensar nos estudantes LGBTI) – e recomendam a sua “ampla divulgação” junto da comunidade escolar.

Também o plano “Escola sem Bullying, Escola sem Violência” é aplaudido pelos investigadores, que lamentam que a plataforma digital de registo de incidentes não permita a extração de dados desagregados por motivo de preconceito, idade ou género.

Os investigadores olharam também para os manuais escolares e lamentam que “quase nada tenha sido feito para melhorar o ensino da história colonial portuguesa, da escravatura e da violência nas ex-colónias”.

Por isso, recomendam que os manuais escolares e os conteúdos curriculares sejam revistos e que os professores recebam formação adequada sobre o colonialismo, escravatura e as suas ligações com o racismo contemporâneo.

Outro dos pontos referidos no estudo é a baixa representatividade de pessoas negras e ciganas nos currículos escolares, convidando as autoridades a incentivar uma representação positiva dessas comunidades e a apoiar a contratação de professores de origem cigana e africana.