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Alegação: “vídeo mostra explosão do portão da prisão de Evin devido a um ataque israelita”
Na manhã de segunda-feira, contas iranianas e israelitas partilharam um vídeo atribuído ao ataque da força aérea israelita à prisão de Evin, em Teerão. Entre elas, a Sociedade Iraniana de Direitos Humanos e o Ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Gideon Saar, este último num tweet que já ultrapassa os 1,2 milhões de visualizações.
As imagens a preto e branco duram apenas seis segundos e mostram um dos portões de acesso a ser aparentemente atingido por uma explosão, com fumo e detritos no ar após a aparente explosão. No topo esquerdo surge a indicação ‘CAMERA 07’, dando a entender que seriam imagens gravadas pelo sistema de videovigilância daquela prisão conhecida por albergar presos políticos e estrangeiros.
O simbolismo do vídeo fê-lo tornar-se viral em pouco tempo e ser partilhado por vários órgãos de comunicação social dos dois países, como o canal iraniano Press TV e o jornal israelita Yedioth, bem como por media nacionais e internacionais como a BBC, a CNN, o New York Times, a Sky News e muitos outros, alguns deles após validação da geolocalização e da suposta autenticidade das imagens.
Factos: o ataque aconteceu e provocou estragos, mas este vídeo é falso
Não há dúvida de que o ataque à prisão de Evin aconteceu, dado existirem testemunhos, confirmações oficiais e vários vídeos do bombardeamento e dos danos causados, mas o vídeo que acabou a abrir telejornais parece não passar de uma manipulação produzida num gerador de imagem para vídeo com IA, a partir de uma foto de arquivo de janeiro de 2003.
Essa suspeita foi levantada ao início da tarde do mesmo dia, no X, por contas como o utilizador italiano @imthesnack e o verificador de factos israelita @talhagin, do projeto @FakeReporter, que apontaram várias incongruências no vídeo.
Entre elas estão o facto de a imagem que surge no primeiro segundo corresponder exatamente a um excerto de uma foto daquela prisão que circula nas redes desde janeiro de 2023, bem como o pormenor de a folhagem da vegetação visível na imagem, nomeadamente algumas pequenas árvores de folha caduca, não corresponder ao expectável nesta altura do ano.
Vários projetos de verificação de factos como a VRT NWS, o Libération, a ABC NEWS Verify, a AFP Factuel, bem como peritos como Hany Farid, da empresa GetReal, especializada em conteúdo digital malicioso e proteção contra ‘deepfakes’, concluíram também que é muito provável que o vídeo seja falso.
Entretanto, alguns dos media que partilharam o vídeo acabaram por retirá-lo, como a BBC. “Inicialmente verificámos o vídeo através de geolocalização e de informação atual, mas agora suspeitamos que pode ter sido gerado por IA, pelo que o vídeo foi removido enquanto trabalhamos com especialistas forenses para investigar melhor a sua autenticidade”, lê-se na nota adicionada à notícia sobre o ataque israelita.
Para averiguar a veracidade do vídeo, a Lusa Verifica efetuou várias pesquisas reversas dos primeiros ‘frames’ (fotogramas) o que permitiu identificar várias versões da foto utilizada para gerar o vídeo (exemplos: aqui e aqui), bem com o original que foi publicado no X em janeiro de 2023.
As pesquisas reversas permitem localizar os sítios na Internet onde a mesma imagem ou imagens semelhantes foram publicadas no passado e detetar a reutilização de imagens de arquivo. Neste caso, uma combinação de pesquisas nos motores TinEye e Google Lens na versão ‘desktop’ permitiram detetar a manipulação.
A foto original foi captada desde o exterior do recinto da prisão, em janeiro de 2023, sensivelmente a partir do ponto de vista das imagens atualmente disponíveis na ferramenta ‘street view’ do Google Maps, outra forma de perceber que aquele ângulo dificilmente corresponde a qualquer uma das câmaras de vigilância identificáveis no local.
Outra análise possível é a comparação do vídeo manipulado com outros vídeos difundidos pelas agências iranianas, a partir dos quais é possível perceber que o volume de destruição real é muito superior ao das imagens geradas por IA, e que o tipo destroços é substancialmente diferente.
A Lusa Verifica também testou várias ferramentas IA gratuitas para geração de vídeos através de imagem, utilizando a foto em causa, tendo obtido resultados semelhantes e até mais verosímeis do que o vídeo em causa, o que demonstra o potencial destas ferramentas para produção de desinformação (por opção editorial não indicamos os sites nem partilharmos os resultados).
Conclusão da Lusa Verifica: Falso
Apesar de ainda não ter sido possível identificar a autoria e a intenção da manipulação, os indícios identificados pela Lusa Verifica e por outros verificadores de factos levam-nos a concluir que o vídeo da explosão do portão da prisão de Evin, em Teerão, é falso, embora baseado numa foto real de um local que foi mesmo bombardeado naquele dia.
Não é a primeira vez que um vídeo ‘deepfake’, neste caso gerado por IA, chega aos media nacionais e internacionais, mas é um dos primeiros casos com esta dimensão e alcance, dado que conseguiu passar no crivo de equipas de verificação experientes. Este caso reforça os desafios que as novas ferramentas de geração de imagens e vídeos através de IA colocam ao jornalismo.
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