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Em Sines, ergue-se o que poderá tornar-se um dos principais polos tecnológicos da Europa. A Start Campus, empresa responsável pelo desenvolvimento e operação de um vasto complexo de centros de dados, acaba de esgotar a capacidade do seu primeiro edifício e prepara uma expansão de grande escala. À frente do projeto, Robert Dunn acredita que Portugal reúne condições únicas para disputar e vencer a nova corrida da inteligência artificial (IA).

O acordo recente com a Nscale e a Nvidia, que coloca 12.600 GPUs Blackwell Ultra GB300 (chips avançados para treinar e executar modelos de inteligência artificial) no centro de dados SIN01, é parte de um projeto de 8,5 mil milhões de euros que pretende estar completo em 2030.  “Foi um negócio incrível para a Start Campus”, diz Robert Dunn. “Significa que ‘arrendámos’ todo o nosso primeiro edifício. Passámos os últimos dois a três anos a construí-lo e agora está completamente ‘arrendado’, o que significa que podemos virar a nossa atenção para construir o resto do campus”. Esta infraestrutura de computação vai ser usada para a IA da Microsoft.

O longo caminho até ao arranque do projeto

Atrair este tipo de investimento exigiu tempo. O CEO da Start Campus explica que começaram há cinco anos, com todos os desafios que hoje travam outros projetos na Europa: energia, arrefecimento, hardware e licenciamentos públicos. “São todas essas coisas”, responde quando questionado sobre o principal obstáculo. “Para enfrentar esses desafios, é preciso um longo período de planeamento.”

Data center SIN01, construído e operado pela Start Campus
Data center SIN01, construído e operado pela Start Campus

A estratégia passou por quatro a cinco anos de preparação meticulosa: garantir o fornecimento de energia, desenvolver um design alinhado com as necessidades do mercado de IA e obter as licenças necessárias. “É natural que assim seja em projetos tão complexos como este. Mas, para sermos competitivos no mercado de inteligência artificial, é fundamental garantir que todo esse trabalho seja feito antecipadamente, para que, quando os clientes chegam, possamos entregar muito, muito rapidamente”, refere o responsável numa conversa com o The Next Big Idea.

Agora, com o SIN01 completo, a empresa prepara-se para começar a construção do SIN02 antes do final do ano. Este segundo edifício tem uma capacidade de 180 megawatts, quase seis vezes superior à do primeiro. Se tudo correr como planeado, poderão ter dois ou três edifícios em construção simultânea. O objetivo é concluir todo o campus, que incluirá pelo menos cinco edifícios adicionais, até 2030.

Este acordo é um esforço para trazer grandes implementações de GPUs para Portugal e para a Europa, de modo a permitir que as empresas portuguesas e europeias possam competir com a OpenAI.

Quando Robert Dunn diz que Portugal não precisa de mais nada para competir na indústria da IA, não está a ignorar desafios. Está a sublinhar vantagens concretas que os próprios clientes identificaram.

“Vou dar os exemplos que os nossos clientes nos deram”, começa. Primeiro, a conectividade: os cabos submarinos de fibra que chegam a Portugal, muitos deles perto de Sines, ao lado do campus, ligam o país a África, América do Sul e América do Norte. Segundo, a energia: mais de 70% vem de fontes renováveis (este ano deverá ultrapassar os 80%, segundo o executivo), e os custos estão entre os mais baixos da Europa. Terceiro, o design da Start Campus responde às exigências da IA.

Mas há uma questão que se impõe: Portugal será apenas anfitrião destas tecnologias (o lugar onde se instalam) ou também poderá criar soluções próprias, como o ChatGPT, nos EUA? Na resposta, o responsável acredita que o país pode ir mais longe do que simplesmente acolher investimento estrangeiro. “Este acordo é um ótimo exemplo do esforço da Nscale e da Microsoft para trazer estas grandes implementações de GPUs para Portugal e para a Europa, de modo a permitir que as empresas portuguesas e europeias possam competir com a OpenAI”, afirma. “É precisamente esse o objetivo: dar às empresas uma oportunidade de terem alguma independência face ao que está a acontecer nos Estados Unidos.”

O que falta a Portugal para competir nesta indústria? “Sinceramente, nada. Já estamos a competir, e não apenas a competir, mas a vencer muitos dos outros países da Europa e até fora da Europa”, defende Robert Dunn.

Um estudo recente da Copenhagen Economics, encomendado pela Start Campus, quantifica o impacto desta aposta. De acordo com o documento, o investimento em centros de dados em Portugal poderá contribuir com cerca de 26 mil milhões de euros para o PIB nacional até 2030, o equivalente a 1% anual. Quanto ao emprego, a Start Campus mantém a previsão de criar pelo menos 1.200 postos de trabalho diretos na construção e operação do centro de dados, mas o impacto indireto poderá chegar às “dezenas de milhares de empregos”, incluindo no ecossistema de IA.

A energia não é problema (por enquanto)

A questão energética surge frequentemente quando se fala de expansão de infraestruturas de IA. Os gigantes tecnológicos estão a apostar no regresso do nuclear para alimentar a inteligência artificial. Depois da Microsoft, que assinou um contrato de 20 anos para reabrir uma central nos EUA e garantir energia para os centros de dados da OpenAI, também a Google e a Amazon anunciaram acordos com empresas do setor para desenvolver pequenos reatores modulares,  apontados como o futuro da energia nuclear civil.

Não é por acaso que as startups do setor têm visto as suas avaliações disparar em bolsa, mesmo sem receitas nem licenças operacionais. De acordo com a Bloomberg, a Nano Nuclear Energy, por exemplo, já vale mais de 2,3 mil milhões de dólares apesar de não ter ainda autorização da Comissão Reguladora Nuclear dos EUA, enquanto a Oklo, apoiada por Sam Altman, da OpenAI, valorizou mais de 1.000% no último ano. Portugal, com a sua capacidade de produção renovável, está numa posição diferente.

“Felizmente, Portugal não precisa de seguir esse caminho”, diz o CEO da Start Campus. “É incrível a quantidade de produção que já existe aqui e os projetos que estão planeados.” Mas reconhece que será necessário aumentar a capacidade. “Li o plano nacional para o aumento de projetos solares e eólicos nos próximos cinco a seis anos. Se conseguirem chegar perto desse plano, será mais do que suficiente para acompanhar os planos de expansão da IA que temos.”

Robert Dunn, CEO da Start Campus
Robert Dunn, CEO da Start Campus

A Start Campus comprometeu-se a comprar 100% de energia renovável, o que, na prática, significa estabelecer acordos diretos que financiem novos projetos. “É o nosso papel garantir que esses projetos sejam financiados e possam avançar. Estamos comprometidos com isso.”

O que significa ter uma IA soberana

O acordo com a Nscale e a Microsoft não serve apenas para hospedar chips de última geração. Serve para criar independência. “Ter chips de última geração em Portugal, operados pela Nscale e pela Microsoft, dá a todas as empresas europeias e portuguesas melhores oportunidades de acesso”, explica o CEO.

Estas GPUs podem ser usadas tanto para treinar modelos de linguagem de grande escala como para inferência (uso de modelos já treinados). E embora sejam exclusivamente para a Microsoft, a gigante tecnológica poderá criar uma plataforma cloud que permita o acesso a startups e outras empresas. “Não conheço a mecânica exata de como funciona, mas sei que a intenção deles é garantir que haja disponibilidade para estas empresas usarem.”

Esta é a essência do conceito de “IA soberana” que a Europa tanto discute. Para Robert Dunn, significa independência não só dos dados, mas também da infraestrutura que suporta os chips. “Isso é importante porque permite que os programadores locais trabalhem com eles sem depender de outros países”, acrescenta.

Bolha da IA? Robert Dunn não acredita

Questionado sobre a possibilidade de estarmos a viver uma bolha da IA (expressão usada para descrever o entusiasmo e especulação excessivos em torno da IA), a resposta do executivo é pragmática: “Não tenho uma bola de cristal. Como toda a gente, não sabemos exatamente como isto vai resultar.” Mas há certezas: “A procura por centros de dados de IA e centros de dados em geral não vai desaparecer. Continuará a crescer.”

Robert Dunn trabalha na indústria há quase 20 anos e já assistiu a várias ondas tecnológicas: da cloud à inteligência artificial. E a verdade é que, todos os anos, a procura por infraestruturas de computação continua a aumentar. “Isso significa que somos necessários e vamos ver crescimento contínuo, seja através de IA, cloud ou de infraestruturas dedicadas a grandes organizações”, remata o CEO.

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