Estamos na era da tecnologia e, com ela, vem (ou deveria vir) a informação. Com a informação surge também a possibilidade de partilha de conhecimento e de maior consciência coletiva. Nunca, como agora, se falou tanto de saúde mental. Vemos figuras públicas a partilhar as suas experiências na psicoterapia, plataformas de saúde mental a patrocinar podcasts, e vários profissionais de psicologia a recorrerem às redes sociais para divulgar o seu trabalho e esclarecer a população. À primeira vista, este cenário é positivo: pode abrir portas para uma maior consciência das pessoas sobre este tema e facilitar o pedido de ajuda. E a verdade é que a procura por consultas de psicologia tem aumentado exponencialmente. Por outro lado, com o excesso de informação, incorre-se também o risco da banalização e da confusão entre o que é doença e o que são experiências naturais e humanas.

Tanto nas consultas como na minha vida pessoal, encontro pessoas a autodiagnosticarem-se com base no que vêem no TikTok ou lêem no ChatGPT. Convido o leitor a questionar-se quantas vezes pensou que poderia sofrer de Hiperatividade e Défice de Atenção ou de uma Perturbação de Ansiedade, com base no que vai observando no mundo digital.

Imagino eu que na base disto esteja uma necessidade inata do ser humano de se entender a ele próprio. E os algoritmos permitem a ilusão de descodificar, de forma rápida e quase matemática, algo tão complexo como a mente humana.   

Não há absolutamente nada de errado em usar as redes sociais para ajudar a identificar sintomas e refletir sobre as suas dificuldades. Com certeza que, para muitos casos, visualizar estes conteúdos é um primeiro passo antes de pedir ajuda, seja na Psicologia, na Psiquiatria, ou Médico de Família. No entanto, também é importante refletir sobre os possíveis riscos de usar estas ferramentas. O primeiro será o autodiagnóstico sem o recurso à ajuda profissional. Um outro, e que pode advir do primeiro, é um enviesamento da informação, pela natureza do algoritmo, e que pode levar a um excesso de identificação com a doença. 

Muitas vezes de forma inconsciente, poderão surgir comportamentos vitimizantes como forma de desresponsabilização. Frases como “não saio de casa porque tenho Ansiedade”, “Não consigo trabalhar porque tenho Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção.”, “Os meus traumas é que me fazem gritar com o outro” tornam-se justificações automáticas. É como se, ao tomar conhecimento de se ter (realisticamente ou hipoteticamente) uma perturbação mental, isso não só legitimasse qualquer comportamento, mas também abrisse espaço para continuar a ter atitudes que podem ser prejudiciais para o próprio ou para os outros.

De facto, as perturbações mentais existem, têm impacto significativo no funcionamento do individuo e das pessoas à sua volta e devem ser levadas com seriedade. São reais, não uma moda. Muitas têm predisposição genética, e outras resultam de experiências de socialização que temos ao longo da nossa vida e que vão moldando a forma como aprendemos a relacionar-nos connosco, com os outros, e com o mundo. Ter uma doença mental não é algo que se escolha, é algo que nos acontece. Mas isso não significa que devamos usar diagnósticos e rótulos como desculpa para justificar todas as nossas ações. É preciso (se quisermos melhorar, claro) assumir responsabilidade e trabalhar nos processos psicológicos que contribuem para as nossas dificuldades.

Dessa forma, é relevante que, ao se aperceber da possibilidade de sofrer de alguma perturbação mental, peça ajuda profissional e, consequentemente, reconheça também a importância de cuidar de si. E é aqui que a psicoterapia pode ser útil. Através de intervenções validadas, a psicoterapia permite que o paciente ganhe consciência sobre os seus modos de funcionamento e, à medida que ganhe motivação para mudar, possa perceber que é ele quem pode promover ou dificultar o seu bem estar. Ao assumir-se responsável por cuidar de si, o indivíduo ganha um controlo interno sobre si mesmo, mobilizando os recursos necessários para viver de forma consciente e saudável. Dessa forma, a pessoa não só aprende sobre a sua perturbação, compreendendo as dificuldades associadas mas, acima de tudo, aprende a lidar com ela, sem precisar de se render ao diagnóstico