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Todos sabem e muito se repete que, nas eleições  autárquicas, os votos leem-se de forma diferente. Contam as pessoas que encabeçam as listas, conta a realidade local, contam as alianças e contam os independentes. Partidos e ideologias não desaparecem, mas são avaliados com uma lente diferente e, não raras vezes, até contraditória com o que pode ser o contexto de legislativas. Um eleitor social-democrata votar num candidato socialista – e vice-versa – é banal há muitos anos e não é assim tão estranho, como os resultados nos têm mostrado, que os eleitores possam decidir votar, no plano autárquico, em pessoas/candidatos apoiados por partidos com os quais não se identificam no plano nacional.

As eleições autárquicas são também palco de uma força fragmentada, mas que tem em comum não ser afiliada direta de qualquer partido (mesmo com ligações prévias): os grupos de cidadãos independentes que nestas eleições representaram mais de 300 mil votos e elegeram 20 presidentes de câmara, obtendo 135 mandatos em câmaras municipais. Em oito concelhos tiveram maioria absoluta. Não foi um crescimento aparatoso face às eleições de 2021, onde esta realidade já se espelhava, mas representam hoje mais 30 mil votos do que há quatro anos. O mais mediático dos independentes dá pelo nome de Isaltino Morais que teve uma maioria absoluta com 61,9% dos votos em Oeiras.

De certa forma, é justo dizer que as eleições autárquicas são as mais livres.

Feito este preâmbulo ou espécie de disclaimer, vale a pena o exercício de contagem dos votos no perímetro de cada partido. Indo a uma malha mais fina, e que tende a ser bastante contornada por alianças várias e diversas em contexto autárquico, o número de votos absolutos que os partidos com assento parlamentar tiveram nestas eleições – cada um por si – também conta uma história. Mesmo sabendo, sim, que também nas legislativas existiram alianças, nomeadamente aquela que suporta o atual Governo entre PSD e CDS-PP e levando isso em linha de conta.

Num resumo condensado: PSD/CDS crescem mais em conjunto, PS perde votos e mandatos, mas dependeu menos de coligações, e o Chega, não tendo os resultados que publicamente definiu como metas, consegue mais 400 mil votos face a 2021. IL não deslumbra, Livre menos ainda e BE e PAN praticamente desaparecem do mapa autárquico.

Olhando para os maiores partidos, o PS, apesar da perda de votos e mandatos, resistiu em vários concelhos, conquistou marcos importantes, como Viseu, Coimbra e Bragança, mas perde 119 mandatos municipais, o que representa uma redução de poder autárquico.

PPD/PSD, em nome individual, tem em 2025 menos votos do que em 2021 – quase menos 100 mil – mas cresce mais de 200 mil quando em coligação com o CDS-PP, reproduzindo a fórmula que conduziu à liderança nas legislativas e que está espelhada na Assembleia da República.

Ainda no que respeita aos votos expressos para as câmaras municipais, o PCP-PEV perde cerca de 94 mil votos e 55 mandatos municipais, mas segura 12 presidências de câmara – recuperando algumas emblemáticas como Montemor-o-Novo e Sines.

Também o CDS-PP, que no resultado global segurou os seus fortes autárquicos (6 câmaras), registou uma quebra em votos absolutos, passando de 74 869 votos, em 2021, para 60 383 e de 31 mandatos para 28.

Uma das conclusões que se retira dos resultados é que PSD e o PS, os dois partidos mais aglutinadores do eleitorado português, repartem entre si o país autárquico, naquilo que muitos classificaram de regresso ao bipartidarismo – por oposição aos resultados das eleições legislativas de maio deste ano, em que um terceiro partido, o Chega, se intrometeu entre as duas forças políticas. É verdade à luz dos números, é sobretudo verdade à luz das ambições apregoadas pelo líder do Chega. Mas é menos verdade que seja tudo como antes e que este seja o bom e velho bipartidarismo que todos conhecemos.

Os votos dos, 5,5 milhões de eleitores deste 12 de outubro espelham esse intangível que é o sentimento ou o l’air du temps - não o contrariam.

André Ventura fez uma aritmética não só arriscada como descuidada face às características já mencionadas das eleições autárquicas. Olhou para os votos das legislativas e acreditou que, multiplicando a sua imagem ao lado de candidatos pelo país fora, podia ambicionar uma réplica autárquica. Começou por definir como meta 30 câmaras – na lógica que seria metade dos 60 concelhos onde o Chega tinha sido o partido mais votado nas legislativas -, depois desceu a fasquia para não ficar atrás nem do PCP-PEV nem do CDS-PP.

Falhou ambas as metas. Não teve 30 presidências de câmara, foi um número 10 vezes menor – o Chega conquistou três. E ficou abaixo do PCP-PEV (com 12) e abaixo do CDS-PP (com 6).

O deslumbramento de André Ventura consigo próprio e com a capacidade de multiplicar o seu efeito no país não foi confirmado nas urnas e o Chega não causou o terramoto anunciado. O que não significa que seja a única leitura a fazer dos resultados do partido, até para não repetir, noutros moldes, o erro de projeção que Ventura cometeu.

O Chega teve menos 800 mil votos nas autárquicas de outubro do que nas legislativas de maio – é um facto. Mas, regressemos ao princípio base de que são eleições com características diferentes e avaliemos os resultados do Chega, em 2021, face a 2025 e o que vemos é um crescimento de mais 400 mil votos e um número de mandatos nas câmaras municipais que passou de 19 para 137.

Face às autárquicas de 2021, o Chega cresce em número de votos em todos os distritos, em alguns cresce de forma muito expressiva, Faro, Setúbal ou Porto são disso exemplo.

Face aos votos nas legislativas – a tal aritmética estragada de André Ventura – claro que há diferenças significativas. No distrito de Beja, por exemplo, o Chega obteve 20.447 votos e elegeu um deputado (Rui Cristina que concorreu agora para a câmara de Albufeira e ganhou). Nas autárquicas teve 8.636 votos e três mandatos – número substancialmente inferior, comparado com as legislativas, mas que mais do que duplicou o resultado das autárquicas de 2021, em que o Chega teve 3.915 votos.

No distrito de Braga, nas legislativas, o Chega alcançou 119.917  votos e elegeu 5 deputados. Nestas autárquicas, teve 45.732 votos e elegeu 6 mandatos; em 2021 teve 19.245 e 1 mandato.

Ou mesmo Lisboa. Nas legislativas, o distrito valeu ao Chega 265.718 votos e 11 deputados, nas autárquicas deste domingo Lisboa valeu 163.890 votos e elegeu 24 mandatos. Nas autárquicas de 2021, o Chega teve 58.299  e elegeu 6 mandatos

E, a título de curiosidade, Bragança, único distrito em que o Chega não elegeu deputados nas legislativas, mais que duplicou votos autárquicos face a 2021 e elegeu 2 mandatos.

Ou seja, é difícil concluir que o Chega encolheu nestas autárquicas se as compararmos com as de 2021 e sabendo que são eleições diferentes das legislativas. Esse foi, aliás, o erro  de André Ventura – assumir que umas e outras seriam a mesma coisa. O que não significa que a trajetória de crescimento autárquico do partido esteja garantida – felizmente, em democracia, nunca nada está garantido dessa forma. Mas o Chega sai das eleições de 12 de outubro com mais presença no território nacional e com capacidade de se impor, em matéria de governação local, em vários concelhos e não apenas os três em que ganhou a presidência da câmara. O que fizer nestes quatro anos – ao nível nacional, mas sobretudo local – ditará a evolução futura.

Num outro extremo, assistimos a um apagão de um partido que nunca teve grande presença autárquica que é o Bloco de Esquerda. E, mais uma vez, os votos contam-se de forma diferente no plano nacional e autárquico, e, se no Chega o sinal de crescimento é confirmado num e noutro, no BE, o sinal de decréscimo também.

O BE passa de 137.560 votos, nas eleições autárquicas de 2021, para 30.629, nas eleições deste domingo.

Nas eleições legislativas de maio, tinha obtido 125.710 votos e eleito 1 deputado, Mariana Mortágua. Um ano antes, nas legislativas de 2024, o BE tinha alcançado 282.314 votos e eleito 5 deputados. Eleições diferentes, mas o sentido é convergente: o BE tem vindo a encolher de eleição em eleição, seja no plano autárquico como nacional. Sozinho, o BE não tem hoje um único mandato ao nível das câmaras. Tem 6 eleitos em assembleias municipais (elegeu 94 em 2021) e 2 em assembleias de freguesia (elegeu 162 em 2021).

O caso de Loures é paradigmático da perda de força do BE em territórios tradicionalmente de esquerda. Ricardo Leão já tinha vencido a câmara pelo PS em 2021, sem coligações com 25.777 votos. Nestas autárquicas, voltou a concorrer sem coligação e aumentou o número de votos para 40.020 votos. Nos dois atos eleitorais, o percurso do BE é o inverso. Em 2021, o Bloco concorreu sozinho e teve 3170 votos; quatro anos depois, em coligação com o Livre e o PAN tem 3095 votos.

Olhando para todo o distrito de Lisboa, território urbano em que o BE foi sustentando o seu crescimento de 26 anos, os resultados contam a mesma história. Na Amadora, passa de passa de 3305 votos, sem mandatos para 1279 votos e igualmente nenhum mandato.

Em Odivelas, o BE teve, em 2021, 2605 votos, sem mandatos e agora, em coligação com Livre e PAN, tem 2461 votos, também sem mandatos.

Em Vila Franca de Xira, teve, há quatro anos, 3.3130 votos, sem mandatos, e em 2025 encolhe para 1088 votos e zero mandatos.

Outro distrito, Setúbal, outros concelhos. Almada . BE sozinho consegue obter, em 2021, 4834 votos e 1 mandato (Joana Mortágua). Quatro anos depois, em coligação com Livre tem 4.353 votos e não tem qualquer mandato.

No Seixal: BE sozinho, em 2021, teve 2700 votos, em coligação com o Livre, em 2025, tem 1795  votos.

IL e Livre têm trajetórias inversas, ainda que com impactos diferentes. A IL passa de 64.849 votos para 87.809 e ganha os dois primeiros mandatos de vereadores em câmaras municipais, o Livre cresce de 2611 votos para 25.723, mas continua sem eleger nenhum vereador onde concorreu de forma isolada.

O PAN já não tinha qualquer mandato em nome individual nas câmaras municipais, e assim se mantém, mas passa de 56 933 votos para 9559.

O que também é revelador é o número de mandatos autárquicos, não apenas presidentes de câmara e vereadores, mas deputados municipais e executivos de juntas de freguesia. Vistos no todo ilustram a distribuição das várias forças que, nos próximos quatro anos, irão tomar decisões nos 308 concelhos de Portugal e respetivas freguesias.

Depois das eleições de 12 de outubro, o mapa autárquico mantém os dois partidos tradicionalmente mais representativos – PSD e PS – como forças dominantes, contrariando o retrato que saiu das últimas legislativas, mas não iludindo o crescimento do Chega no plano concelhio e das freguesias. Um mapa que mostra o decréscimo substancial, quase radical, do BE, um crescimento tímido da IL e ténue do Livre e um PCP-PEV em esforço de resistência, que teve em Lisboa, com os resultados de João Ferreira, uma das suas coroas de glória.

As eleições autárquicas são, em primeiro lugar, 308 eleições locais. Mas as expectativas, convicções e sentimentos que existem num plano abrangente da vida do país não desaparecem. Podem ser acomodadas em virtude das realidades locais, mas continuam lá. E, nos resultados de domingo, continua lá o voto de protesto ou de proclamado anti-sistema, como continua a não adesão às causas de partidos como o Bloco de Esquerda. E, uma maioria de cidadãos, felizmente permito-me acrescentar, continua a dizer que prefere a moderação ao extremismo, o diálogo à gritaria, a cortesia à boçalidade e à arrogância. São um bom partido.

 

Votos e mandatos às câmaras municipais
Votos e mandatos às câmaras municipais créditos: MadreMedia

 

Votos e mandatos às câmaras municipais
Votos e mandatos às câmaras municipais créditos: MadreMedia

Mandatos nos três órgãos autárquicos
Mandatos nos três órgãos autárquicos créditos: MadreMedia
Mandatos nos três órgãos autárquicos
Mandatos nos três órgãos autárquicos créditos: MadreMedia
Mandatos nos três órgãos autárquicos
Mandatos nos três órgãos autárquicos créditos: MadreMedia

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