Portugal está entre os que têm uma maior percentagem de população com 80 anos ou mais (7%, valor só superado pela Itália e Alemanha e igualado pela Grécia) e os que têm uma menor representação das faixas etárias com menos de 15 anos (abaixo dos 13%, o que só acontece com Itália e Malta).
Além disso, Portugal só perde para a Itália nos países com idade média mais elevada: estamos com 47,1 anos, quando a média da UE é 44,7 anos.
Os claros sinais de uma mudança demográfica em curso, sem sinais de alteração, é algo que denota a demógrafa Maria João Valente Rosa, investigadora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL) .
Em explicações ao jornal Público, “continuamos a pensar que seria óptimo não estarmos a envelhecer e estamos sempre a pensar que isto é a prazo, e que um dia vai tudo virar ao contrário. Não vai. É uma tendência inelutável a médio prazo. Temos de nos concentrar no facto de que isto não é mau. Seria mau se um dia deixássemos de envelhecer, significaria que tínhamos andado para trás e que tinha acontecido algo muito pouco desejável, por exemplo, uma mortalidade súbita nas idades superiores.”
O facto da redução dos níveis de mortalidade ser cada vez maior, através de melhores cuidados médicos, significa “um progresso enorme”, mas passamos também, rapidamente, de um país com elevados níveis de fecundidade para um com os níveis mais baixos da UE: “Países do Sul, como Portugal ou Itália, tiveram níveis de fecundidade muito elevados até muito tarde e depois baixaram muito rapidamente. Só que essas gerações muito numerosas tiveram hipótese de atingir idades mais avançadas. No passado não tinham quase hipótese de o conseguir”, sublinhou Valente Rosa.
A investigadora insiste que devem haver mudanças profundas no que toca ao trabalho e às reformas, indo além dos cuidados de saúde.
Em relação à organização do mercado de trabalho, com a longevidade que hoje existe, diz, não faz sentido que a maior intensidade laboral esteja sobre as idades médias, que ficam sem tempo para outras coisas (como o lazer ou a vida familiar), nem que não seja dada às pessoas a possibilidade de mudarem de carreira a meio da vida.
“A linearidade das trajectórias do passado já não se aplica a nada, temos de imaginar uma vida com multitrajectórias. O facto de ter iniciado a actividade profissional numa área não significa que não possa iniciar outra que me interesse mais. Mas, para ter tempo para me reorganizar, devia poder beneficiar de uma sabática paga, de um ano, para me poder reorientar do ponto de vista profissional. Porque, aos 60 anos, posso ser muito mais feliz a fazer algo diferente do que o que gostava aos 20, mas que já me deixava farta aos 40”, exemplifica.
Nas reformas, para Valente Rosa não faz sentido as pessoas com 70 anos aposentarem-se, pois "esta obrigatoriedade vem de um decreto-lei de 24 de Julho de 1926. Continuamos animadamente a fazer o que fazíamos há cem anos e a pensar a reforma e o trabalho como se pensava no passado, em que contava muito a força musculada e não a força do conhecimento. É um desperdício enorme de capital humano”, quando não faz sentido.
“Por que razão achamos que as pessoas a partir de certa idade já não valem nada do ponto de vista produtivo? Temos um ciclo de vida completamente obsoleto, com pessoas a trabalhar de forma extremamente intensa nas idades centrais, em que quase não fazem mais nada e, depois, dizemos, vá à sua vida, já não esperamos nada de si. É terrível”.
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