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Shirley Chung tinha apenas um ano quando foi adotada por uma família do Texas, em 1966. Nascida na Coreia do Sul, filha de um militar norte-americano e de uma mãe solteira, foi deixada num orfanato em Seul antes de ser levada para os Estados Unidos.
“Ele abandonou-nos — é a forma mais simpática de o dizer”, contou Shirley à BBC.
Durante décadas, viveu como qualquer cidadã norte-americana: estudou, trabalhou e criou uma família. Mas, em 2012, ao tentar substituir o cartão da Segurança Social, descobriu que não tinha cidadania. “Tive um pequeno colapso mental ao descobrir que não era cidadã”, confessou.
Shirley culpa os adultos da sua infância — pais adotivos, escola e autoridades — por nunca terem regularizado a sua situação. “Culpo todos os adultos na minha vida que literalmente deixaram cair a bola e disseram: ‘Ela está na América agora, vai ficar bem.’ Bem, estou? Vou ficar bem?”.
A BBC relata que se estima que entre 18 mil e 75 mil adotados internacionais nos EUA nunca tenham recebido cidadania, devido a falhas burocráticas anteriores à Child Citizenship Act de 2000. A lei garantiu cidadania automática apenas para crianças nascidas depois de fevereiro de 1983, deixando milhares em limbo legal.
Outra mulher, adotada do Irão em 1973 e que pediu anonimato por medo das autoridades, contou que acreditou toda a vida ser cidadã americana. “Assentei na minha vida, sempre a acreditar que era cidadã americana. Foi isso que me disseram. Ainda acredito nisso hoje”, afirmou.
Mas quando tentou obter um passaporte aos 38 anos, descobriu que os documentos que comprovavam a sua cidadania tinham desaparecido. Desde então, sente-se perdida entre duas identidades.
“Não me considero uma imigrante… a minha cultura foi apagada. Disseram-nos que tínhamos direitos como americanos — votar, trabalhar, estudar, criar família — e, de repente, empurram-nos para a categoria de imigrantes, simplesmente porque nos cortaram da legislação”, explicou. “Devíamos todos ter tido direito à cidadania, porque isso foi prometido através das políticas de adoção”.
Essas promessas quebradas tornaram-se ainda mais angustiantes sob o segundo mandato de Donald Trump, que prometeu “remover prontamente todos os estrangeiros que entrem ou permaneçam ilegalmente nos Estados Unidos”.
Segundo a BBC, mais de dois milhões de pessoas deixaram o país desde o início da nova administração, entre deportações e saídas voluntárias. O ambiente de medo intensificou-se, com relatos de adotados esconder-se e a usar aplicações para partilhar a sua localização em caso de detenções.
“No fim do dia, eles não se importam com a tua história. Não importa que estejas aqui legalmente e que seja apenas um erro de papelada. Um único documento arruinou a minha vida. Sinto-me apátrida”, disse a mulher iraniana.
Para a advogada de direitos civis Emily Howe, que tem trabalhado com adotados em todo o país, o problema é político, não legal. “Deveria ser uma correção simples: as crianças adotadas deveriam ser iguais aos seus irmãos biológicos, filhos de pais cidadãos norte-americanos”, afirmou.
“Estamos a falar de bebés e crianças que foram enviadas para o estrangeiro sem culpa própria, admitidas legalmente ao abrigo da política dos EUA. Foram-lhes prometidos que seriam americanos quando tinham dois anos”, refere ao canal inglês.
A própria Shirley Chung, agora com 61 anos, resume o apelo de milhares: “Não somos estrangeiros ilegais. Fomos colocados em aviões como bebés minúsculos. Peço apenas que cumpram a promessa que a América fez a cada um de nós: cidadania americana”.
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